Nova Iorque – 22.09.2025
O Presidente em exercício da União Africana (UA) e Chefe de Estado angolano, João Lourenço, proferiu, no domingo (21) em Nova Iorque, um discurso na 7.ª Cimeira do Comité de Chefes de Estado e de Governo da União Africana sobre a Reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, cujo teor transcrevemos a seguir:
“Excelência Julius Maada Bio, Presidente da República da Serra Leoa e Coordenador do Comité dos Dez Chefes de Estado e de Governo da União Africana sobre a Reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas (C-10);
-Excelências Chefes de Estado e de Governo do C-10;
-Excelência Analena Baerbock, Presidente da 80.ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas;
Excelência António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas;
-Excelência Mahmoud Ali Youssouf, Presidente da Comissão da União Africana;
-Minhas Senhoras, Meus Senhores
Na qualidade de Presidente da República de Angola e na de Presidente em Exercício da União Africana, tomo a palavra para expressar algumas considerações sobre a comemoração de mais um aniversário do Consenso de Ezulwini e da Declaração de Sirte, nesta cerimónia que marca a 7ª Cimeira do Comité de Chefes de Estado e de Governo da União Africana sobre a Reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A Organização das Nações Unidas nasceu do ideal de uma ordem internacional mais justa, fundada na igualdade soberana dos Estados e no respeito mútuo entre os povos, numa altura em que os países africanos ainda não haviam conquistado as suas independências e o seu espaço como nações soberanas, no seio da Comunidade Internacional.
Nesta base, há vinte anos, nas terras de Ezulwini e Sirte, África expressou a sua voz, lançando uma mensagem clara, corajosa e baseada num princípio irrefutável, o da justiça e equidade na governação mundial.
Ao adoptar o Consenso de Ezulwini em Março de 2005 e a Declaração de Sirte em Julho do mesmo ano, o nosso continente mostrou claramente ao mundo a sua vontade de romper com a exclusão histórica de que é vítima desde a criação do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Contudo, passados estes anos, quase ou nada foi feito no sentido de se responder às reivindicações dos povos de África, uma vez que o continente africano, que representa mais de 1,4 mil milhões de pessoas, cerca de 17% da população mundial, e que ocupa quase um terço dos assentos na Assembleia Geral, continua excluído da tomada de decisões centrais no Conselho de Segurança.
Preocupa-nos o impasse que se regista nas negociações intergovernamentais, por estarem a ser demasiado lentas, processuais e frequentemente paralisadas por divisões.
Duas décadas sem resultados concretos podem prejudicar a dinâmica do processo, mas é importante dizer que a unidade se mantém firme e inquebrantável.
Estes dois textos, o de Ezulwini e o de Sirte, expressam a vontade colectiva do continente em obter uma representação equitativa neste Órgão fundamental da governação mundial.
Por este facto, a União Africana, na base destes dois documentos e por via deste órgão que se reúne aqui, defende com firmeza que a reforma do Conselho de Segurança deve incluir a atribuição de pelo menos dois assentos permanentes para África, com todos os direitos e prerrogativas, incluindo o direito de veto enquanto este continuar a existir, e cinco assentos não permanentes adicionais para os Estados africanos, garantindo assim uma representação justa e equitativa e um compromisso claro de que o continente africano deixará de ser objecto das decisões do Conselho, para passar a ser sujeito activo dessas decisões.
Esta exigência não é nem excessiva nem simbólica, mas sim a expressão de um direito legítimo assente na realidade geopolítica actual que impõe a correcção desta injustiça, nomeadamente o nosso peso demográfico, a nossa contribuição para as Operações de Manutenção da Paz e o facto de África ser o continente mais visado pelas decisões do Conselho de Segurança, sendo simultaneamente o menos representado.
Em face disso, consideramos que um Conselho de Segurança que aborda África em cerca de 70% da sua agenda não pode continuar sem África como Membro Permanente.
É chegado o momento de se considerar que o continente africano deve passar a ter uma voz activa e uma voz mais forte nas decisões globais relacionadas com a paz, a segurança e o desenvolvimento.
Excelências,
O multilateralismo representa uma alavanca essencial para África na sua busca pela justiça, equidade e desenvolvimento sustentável.
Confrontados com os desafios globais actuais, oferece-nos um quadro propício para reforçar a unidade e a solidariedade continental, apoiando-nos em posições comuns, como as que celebramos hoje, mas também para defender princípios essenciais como a soberania dos Estados, a não ingerência e o direito ao desenvolvimento, que nos são caros e que garantem a inclusão equilibrada de África na governação global.
Assim, em nome dos Estados-Membros da União Africana, gostaria de expressar ao Comité dos Dez Chefes de Estado e de Governo da União Africana, toda a nossa gratidão e saudar o trabalho notável, estratégico e indispensável desenvolvido ao serviço do nosso continente.
Num contexto geopolítico em mutação, em que os equilíbrios de poder evoluem mas têm dificuldades em traduzir-se nas estruturas de governação global, os esforços empreendidos pelo C-10 são mais vitais do que nunca, pois materializam uma diplomacia pan-africana determinada, coerente e unificada, valorizando a consciência colectiva de um continente que está firmemente disposto a fazer parte da mesa onde se decidem as grandes questões da humanidade.
Cabe-nos a nós, enquanto líderes africanos, continuar a apoiar plenamente as acções do C-10, reforçar os seus meios políticos e diplomáticos e, acima de tudo, permanecer unidos em prol das suas iniciativas, pondo de lado visões egocêntricas para que possamos caminhar sempre juntos e chegar a resultados que satisfaçam os interesses colectivos do nosso continente.
Excelências,
Estamos reunidos hoje não apenas para a celebração de uma data, mas sim para transformarmos esta ocasião num momento de reflexão, lucidez e mobilização.
Vinte anos depois, devemos questionar-nos sobre as razões pelas quais a voz de África continua a ser marginalizada nas grandes decisões mundiais e porque é que as nossas reivindicações legítimas são recebidas com indiferença, ou mesmo com desconsideração.
Diante disso, é imperativo termos em conta que é na unidade e na constância que a nossa posição ganhará força, credibilidade e impacto, e sublinha a relevância destes instrumentos diplomáticos, que devemos continuar a brandir com firmeza em todos os fóruns internacionais, reafirmando sempre as nossas exigências fundamentais.
África é o berço da Humanidade, a guardiã de culturas milenares, a terra onde nasceram algumas das mais antigas civilizações do mundo. É também o continente da juventude, onde quase metade da nossa população tem menos de 20 anos, trazendo consigo uma energia transformadora.
É o continente da resiliência, onde, apesar das feridas da História, se constroem todos os dias soluções inovadoras para o desenvolvimento, para a convivência pacífica e para o futuro da Humanidade.
Mas esta narrativa, que deveria inspirar esperança, convive com uma realidade amarga quando nos deparamos com cenários que nos mostram que o continente africano continua sem voz efectiva nas estruturas centrais de decisão do sistema multilateral.
Esta não é uma reivindicação isolada, é uma exigência de legitimidade global, pois um Conselho de Segurança que exclui um continente inteiro da participação plena não pode aspirar a ser respeitado como o guardião da paz e da segurança internacionais.
O mundo enfrenta desafios existenciais, desde as mudanças climáticas ao terrorismo transnacional, desde as pandemias às desigualdades globais. E, em todos esses desafios, África não é apenas vítima, é também parte da solução. Por isso é importante que continuemos a reivindicar o nosso espaço para fazer ouvir a nossa voz.
Para concluir a minha intervenção, enquanto renovo o meu apoio ao C-10 pelo seu papel de liderança, exorto a todos a prosseguirmos juntos, com determinação e solidariedade, esta luta pela equidade, justiça e dignidade de África, a qual tem sido conduzida por este grupo, com grande determinação, sabedoria e com uma visão pan-africana que merece a nossa mais profunda admiração e simpatia.
Deixo aqui a minha manifestação de apoio incondicional aos esforços de Sua Excelência Julius Maada Bio, Presidente da República da Serra Leoa e Coordenador do Comité dos Dez Chefes de Estado e de Governo da União Africana sobre a Reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com a mais profunda convicção de que, sob a sua condução, conseguiremos fazer valer os nossos pontos de vista sobre o papel de África no seio do Conselho de Segurança das Nações Unidas”.